top of page

Debate dos presidenciáveis escancara racismo à brasileira

O tema abordado no ‘Fórum Café’ do dia 1º de setembro, com participação da candidata a Deputada Federal (PT-BA), liderança antirracista, Vilma Reis, mostra ao mundo que as pessoas negras estão fora dos projetos do país


Nem presidenciáveis, nem jornalistas, nem nada. Não havia negras e negros na cena do primeiro debate das/os candidatas/os à presidência da República no estúdio da Band News. Se, por um lado, a questão de gênero apareceu com força, muito mais pelo perfil misógino esboçado por Bolsonaro que pela existência de duas candidatas, a temática racial esteve completamente fora da disputa. Seja pela ausência de pessoas negras, seja pela inexistência da abordagem, o programa deixou explícito o racismo que estrutura as relações sociais no Brasil.


“A ausência do debate racial nas agendas deseduca e retira a possibilidade de falarmos sobre temas importantes, numa audiência que se dá em escala de milhões. Perdemos a oportunidade de discutir temas fundamentais para o Brasil, dias antes da semana em que a Lei de Cotas, a 12.711, completa 10 anos de vigência. Essa Lei, que mudou a fotografia das universidades brasileiras e dos Institutos Federais de Ensino Superior, os IFES”, argumentou a liderança antirracista, Vilma Reis, no programa ‘Fórum Café’ desta manhã de quinta-feira (1º/09). Vilma Reis é socióloga, militante do Movimento Negro e candidata a deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT-BA).

Para agravar o quadro, as duas candidaturas negras à presidência da República (Leonardo Péricles (Unidade Popular) e Vera Lúcia (PSTU), foram excluídas do debate. Ambas, com percentuais de intenção de votos semelhantes às candidatas Soraya Thronicke (União Brasil) e Simone Tebet (MDB). Essa constatação foi trazida pela coordenadora Nacional do Sinasefe (Sindicato dos Servidores Federais da Educação Básica Profissional), Elenira Vieira, que dividiu a bancada com Vilma Reis no programa transmitido pelo canal do youtube da Revista Fórum.


“Temas, portanto, como ações afirmativas, políticas de drogas, políticas de desencarceramento, fortalecimento do sistema Defensoria Pública, terras quilombolas, demarcação dos territórios indígenas, políticas para as juventudes, enfrentamento à violência contra as mulheres (principalmente as negras ), e ao feminicídio, acesso e partilha das riquezas para as mulheres negras, foram temas silenciados quando o debate racial não veio para cima da mesa”, afirmou Vilma Reis no programa mediado pelo jornalista Mauro Lopes.

O jornalista do Estadão, Weslley Galzo também se manifestou no Twitter: “Existimos e temos capacidade de integrar as bancadas de honra nas sabatinas presidenciáveis. Basta nos colocar lá, para um mundo de novas perguntas surgirem”. Outra liderança antirracista, Pedro Borges, do site Alma Preta, publicou: “Não existem jornalistas negros no Brasil? Não é possível...”. Já Eliana Alves Cruz sentenciou: “Não tinha preto, preta ou indígena em canto nenhum de poder nesse estúdio. Nem perguntando e nem sendo perguntado”, o grande vencedor desse debate é o racismo, o ausente mais presente desta noite”, escreveu a também jornalista, autora de Águas de Barrela e Cais do Valongo.


O programa - Fórum Café é um programa do canal no Youtube da Revista Fórum, comandado pelo jornalista Mauro Lopes. “Foi um debate no qual a questão de gênero apareceu com força, mas pelo ataque que Bolsonaro fez a uma jornalista (Vera Guimarães, apresentadora do programa Roda Viva na TV Cultura). Mas outra questão tão crucial quanto, esteve completamente ausente do debate”, afirmou Lopes. “Não tinha jornalista negro, não tinha candidato negro. Os negros no debate eram apenas segurança e suporte operacional”, completou.


Exclusão da população negra

Segundo Vilma Reis, no início dos anos 1990 era praticamente impossível uma jovem, um jovem da periferia acessar uma vaga nos IFES. Após a implementação do sistema de cotas, ela explicou, “há um anseio, principalmente nas cidades do interior, de que os IFES se constituam em escolas segregadas e separadas da classe média branca. Sei da reação e do levante feito por companheiras, professoras, ativistas, para que isso não aconteça. Corri trecho com professoras, como Ana Carla Portela, do IFES na Chapada Diamantina, na Bahia, para que o Instituto não seja transformado nesse modelo de escola segregada, de classe média, que os negros não podem adentar”.


Vilma Reis seguiu trazendo exemplos de exclusão da população negra: “O programa Juventude Viva, que foi construído com muita coragem, por uma geração inteira, tanto do período Lula, quanto do período Dilma, e corajosamente coordenado por uma mulher como Luiza Bairros, não aparecer em nenhum momento no debate, deseduca esse país inteiro, que mata 60 mil jovens negros por ano.


Além disso, num momento em que o break e outros elementos do hip hop estarão nas Olimpíadas de Paris, essa cultura, que é uma presença potente da juventude negra, morre no silêncio? As pessoas discutem esporte no país sem dar uma palavra sobre isso? Todos esses temas muito importantes que precisavam vir à baila num debate das eleições, eles silenciam num momento em que o país não tem um Ministério da Cultura; em que a Fundação Cultural Palmares é, covardemente, desmontada; em que a Funai serve de instrumento ideológico para processar lideranças indígenas. O silencio sobre o debate racial no país é um equívoco, um escândalo e demonstra que muitas lições não foram aprendidas, internalizadas, por lideranças políticas.


Portanto, as questões que Pedro Borges, do Alma Preta, e a escritora, autora de Águas de Barrela e Cais do Valongo, Eliana Alves Cruz, além de todas as outras lideranças que se manifestaram ao longo da semana trazem, estão falando dessa pauta que preparei hoje, às 5 da manhã, para participar desse debate. Estamos escandalizadas com o que está acontecendo, num país de maioria negra, em que a Amazônia, os quilombolas, os povos indígenas, sofrem os piores crimes da República, nós não entendermos e não colocarmos no centro do debate político uma agenda antirracista, é um equívoco político. E, mais do que nunca, anuncia que tem questões que não podem pertencer ao marketing. Você aprende a ética do partido, mas a gente foi educada pela ética dos movimentos sociais. E isso pra gente é muito grave.


Esse é o debate de nossas vidas e essa é uma eleição-professora, Mauro. Quando falamos da potência de um movimento e de um ator político coletivo, os movimentos negro, de mulheres negras, feministas, esses atores políticos coletivos, movimento das mulheres indígenas, são atores políticos coletivos que não podem ser ignorados. Os movimentos LGBTQIA+ não podem ser ignorados.


Estamos falando de coisas muito graves e extremamente difíceis. E é assim que a gente empurra a esquerda para a esquerda. É assim que somos nós, nós que qualificamos a democracia. Não esperamos nada da direita. A direita vive com as mãos ensanguentadas. A direita vive da pilhagem econômica e intelectual. A gente vive o horror do silenciamento secular. Mas nós estabelecemos alianças e parcerias que precisam funcionar.


A coordenadora do Sinasefe, Elenira Vieira, disse estar 100% de acordo com Vilma Reis e acrescentou a exclusão das candidaturas negras do debate como um fator que agrava mais ainda o descaso com o tema racial. “Primeiro, existem dois candidatos negros à presidência da República que foram excluídos do debate. Depois, houve apenas duas citações, em todo o debate sobre a pauta racial. Em uma delas, Simone Tebet ao comentar a resposta sobre a questão da paridade no governo. E aquela outra citação infeliz de Ciro Gomes, fazendo referência ao que ele chama de ‘Fundão da África’, um pensamento colonizado, eurocêntrico, que não consegue entender que a África é, sim, um lugar de desenvolvimento, de ciência e tecnologia e, se não é mais, é porque os brancos europeus assassinos, estupradores, destruidores de cultura, foram lá e arrasaram um monte de coisa”, afirmou.


Elenira indagou ainda: “Se isso é uma coisa que povoou o debate nos Estados Unidos, onde a população negra é 14%, como é que isso some de um debate em um país que tem a maior população negra fora da África e que 56% da população é negra? E aí quando Vilma faz esse chamado, esse dedo na cara que tem que ser feito, é porque eles não estão deixando de debater alguma coisa de minoria, alguma coisa desimportante. Estamos falando do centro da estrutura e da existência atual desse país. Não estamos falando de algo que possa desaparecer desse debate. Omitir é uma decisão, é calar, é apagar, é fingir que não existem quase quatro séculos de escravidão, é fingir que não existe genocídio da população negra e indígena”, completou.

VR_Bg-Amarelo.png

Acompanhe a nossa campanha nas redes sociais

  • Instagram
  • Facebook
  • TikTok
  • Twitter
  • Youtube

Comitê Central: Rua Conselheiro Junqueira Ayres, n°26, Barris (Salvador) CEP 40070-080
Na ladeira que dá  acesso ao Shopping Piedade, próximo à Biblioteca Central

bottom of page